Por Giovanna Zanata Barbosa e Rodrigo Calbucci
O crime cometido por Suzane von Richthofen e pelos irmãos Daniel e Cristian Cravinhos, há mais de 20 anos — em outubro de 2002 —, continua sendo pauta na imprensa. Recentemente, muito se falou sobre a progressão do regime semiaberto para o aberto, concedido a Suzane em janeiro de 2023, pela 2ª Vara de Execuções Criminais de Taubaté (SP).
É de conhecimento público que ela foi condenada à pena de 39 anos e 6 meses de prisão, a ser cumprida, inicialmente, no regime fechado.
Desde 2002 — primeiro, preventivamente, e, depois, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado —, Suzane está presa. Somente em 2015, 13 anos após o crime, foi concedida a progressão do regime fechado para o semiaberto, regime no qual ela permaneceu até o início do ano de 2023.
Tanto a progressão do regime fechado para o semiaberto, quanto do semiaberto para o aberto, ocorreu em virtude do cumprimento do lapso temporal previsto pela legislação processual penal e pelo chamado bom comportamento carcerário.
Essa possibilidade de progressão de regime, baseada no comportamento e no lapso temporal, é um reflexo da aplicação do princípio da individualização da pena na execução penal. Nas palavras de Thiago Cabral:
“O comportamento do sentenciado, destarte, é o reflexo de sua personalidade e, assim, da sua individualidade, o qual serve de parâmetro à individualização da sanção penal no curso de seu cumprimento” [1],
E, apesar de juridicamente correta, a decisão prolatada pela 2ª Vara de Execuções Criminais de Taubaté causou espanto em uma parcela da sociedade.
Isso pode ser explicado, em parte, pelo desconhecimento da Lei de Execução Penal (Lei Federal n° 8.072/1990), que estabelece que a execução penal deve ser regida pelo princípio da progressividade no cumprimento da pena. Sempre que possível, haverá a progressão do regime mais para o menos gravoso.
Ademais, sobre o sistema progressivo, a exposição de motivos da Lei de Execução Penal argumenta que “[…] o processo de execução deve ser dinâmico, sujeito a mutações”. “As mudanças no itinerário da execução consistem na transferência do condenado de regime mais rigoroso para outro menos rigoroso (progressão) ou de regime menos rigoroso para outro mais rigoroso (regressão).”
Ainda sobre a progressão e individualização da pena, Guilherme Nucci pontua que:
“Todos esses benefícios [progressão de regime, indulto, liberdade
condicional etc.] constituem a individualização executória da pena, que
depende do comportamento individual de cada sentenciado. Merecendo, progride; desmerecendo, permanece em regime mais severo [2].“
Destaque-se ainda que o sistema progressivo é essencial para a reinserção do apenado em sociedade. Nesse sentido, é a lição de Salo de Carvalho:
“O sistema progressivo, baseado na ideia de mérito do condenado, foi eleito em 1984, como instrumento hábil para atingir a finalidade de reinserção social. Típico dos modelos estatais intervencionistas, o escopo ressocializador legitimou a ação dos aparelhos punitivos para avaliação e formatação da identidade do preso. Assim, o condenado ressocializado, no discurso da LEP, era aquele adequado às regras do estabelecimento carcerário e ao programa individualizador, ou seja, o sujeito disciplinado e ordeiro que se submetia e respondia satisfatoriamente ao tratamento penal” [3].
De fato, a própria exposição de motivos da Lei de Execução Penal (Lei Federal n° 8.072/1990) preceitua que a referida legislação se baseou na ideia de que a pena tem a finalidade da reinserção social:
“14. Sem questionar profundamente a grande temática das finalidades da pena, curva-se o Projeto, na esteira das concepções menos sujeitas à polêmica doutrinária, ao princípio de que as penas e medidas de segurança devem realizar a proteção dos bens jurídicos e a reincorporação do autor à comunidade”.
Desse modo, embora se compreenda o desejo de uma parcela da sociedade brasileira para que Suzane permanecesse mais tempo no cárcere, é fundamental ter em mente que a nossa legislação estabelece regras e limites relacionados ao cumprimento da pena, de modo que a decisão prolatada em janeiro de 2023, pela 2ª Vara de Execuções Criminais de Taubaté — que concedeu a possibilidade dela cumprir o restante de sua pena no regime aberto — é absolutamente legal e pautada pelos ditames da Lei de Execução Penal, seguindo, basicamente, os princípios da individualização da pena e da progressividade.
[1] CABRAL, Thiago Colnago. A valoração do exame criminológico e a progressão de regime: decisões de execução penal em Minas Gerais, Dissertação (Mestrado
em Direito) — Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, USP, São Paulo, 2018, p. 48.
[2] NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena, 2. ed. São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2007., p. 325.
[3] CARVALHO, Salo de. O papel da perícia psicológica na execução penal, In: GONÇALVES, Hebe Signorini; BRANDÃO, Eduardo Ponte (Orgs.). Psicologia jurídica no Brasil. 3. ed. Rio de Janeiro: NAU Editora, 2011, p. 183.
Artigo publicado no Conjur, em 14 de fevereiro de 2023. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-fev-14/barbosae-calbucci-concessao-progressao-regime-suzane-von-richthofen